Em dezembro de 1987, realizou-se em Bauru o mais emblemático evento do movimento pelo fim dos hospitais psiquiátricos. Os hospitais psiquiátricos eram um verdadeiro circo de horrores, tão bem retratados no documentário "Em nome da razão" de Helvécio Ratton de 1979, sobre o tristemente célebre Hospital de Barbacena e posteriormente em 2013, no livro Holocausto Brasileiro de Daniela Arbex. Também foram locais utilizados para torturar e matar os brasileiros que se opunham à ditadura empresarial-militar.
O encontro foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores da Saúde Mental, reuniu trabalhadores, usuários e familiares, artistas, sindicalistas e parlamentares. Suas deliberações foram: Por uma Sociedade sem Manicômios, Constituição do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial, definição de um dia nacional de luta (18 de maio), pelo fim dos hospitais psiquiátricos, violentos, ultraados, sem resolutividade e extremamente caro e a criação de modelos substitutivos para o cuidado com os sujeitos em sofrimento psíquico.
A constituição do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial tem como principais protagonistas os usuários e seus familiares, não mais como objeto de ação dos técnicos, mas como sujeitos ativos em seu processo de cuidado e de participação nos serviços e atividades realizadas. Não mais uma relação unilateral, autoritária e infantilizadora dos técnicos com os usuários, mas uma relação democrática em que sejam respeitados como cidadãos de direito.
Realizou a primeira eata contra os hospitais psiquiátricos no Brasil e lançou um manifesto (Carta de Bauru) que denunciava a grave situação da saúde mental no Brasil e ficou reconhecido internacionalmente. Bauru foi escolhida à época por contar com um gestor que, não só tinha um compromisso profundo com a população bauruense, mas implementava um modelo de saúde pública e saúde mental que viria a ser consolidado com o SUS em 1990.
O organograma de saúde já comportava as unidades básicas de saúde nos territórios, a existência de um NAPS (Núcleo de Apoio Psicossocial) e um Programa de Saúde dos Trabalhadores, articulado com os sindicatos.
Contava em sua equipe com profissionais como David Capistrano (médico sanitarista) e Roberto Tykanori Kinoshita (médico) e o apoio de diversos professores da Fundação Educacional de Bauru/Universidade de Bauru, atual Unesp, bem como dos sindicatos e movimentos sociais. O prefeito era Tuga Angerami, professor do Departamento de Psicologia em continuidade a Edson Gasparini (falecido), militantes contra a ditadura empresarial-militar.
Esse período foi o mais profícuo da história bauruense, no sentido de possibilitar um real cuidado com a população na perspectiva da saúde coletiva e demonstrando que o serviço público é um direito do cidadão e deve ser garantido pelo Estado.
Infelizmente, só restou a lembrança desse período, pois as sucessivas gestões da prefeitura abandonaram a perspectiva da saúde coletiva em favor do modelo ultraado da medicina curativa, biologicista e medicalizadora na relação com o cuidado das pessoas, mas frutífero para a indústria farmacêutica e laboratórios de exames, com pouquíssima resolutividade.
Assim, vai destruindo os princípios do SUS, burocratizando e engessando cada vez mais os serviços e a atenção à população, responsabilizando a população pela sua aparente incompetência, que se desvela com o financiamento público do setor privado da saúde. Não é um problema financeiro, mas de modelo de saúde.
Por uma sociedade sem manicômios!
Por uma saúde mental não manicomial!