Em minha jornada como pastor, uma das tarefas mais exigentes e, ao mesmo tempo, mais significativas, é o aconselhamento de casais. Trata-se de um ministério intenso, que requer preparo, conhecimento, discernimento e sensibilidade, mas cujo fruto é profundamente gratificante quando a restauração é alcançada.
Nos meus primeiros atendimentos, eu procurava identificar padrões danosos que estavam afetando o relacionamento conjugal. Em um desses casos a esposa compartilhou com tristeza que seu marido demonstrava pouco afeto e interesse por ela. Na minha incipiência, propus estratégias superficiais: sugeri uma noite romântica, hobbies em comum, formas de reacender a conexão. Pressupus que ela também contribuía para o distanciamento. Entendi, sem questionar, que a crítica do marido - de que a esposa era fria e incapaz de expressar amor - era verdadeira, e que, no fundo, ele também desejava um casamento mais saudável. Mas a realidade mostrou-se bem diferente; o marido expandiu suas críticas aproximando-se da crueldade. Por que minha abordagem falhou? Porque eu não compreendi, na época, a realidade da opressão presente nesse casamento.
Quando um cônjuge oprime o outro, seus desejos deixam de ser simples anseios e se transformam em exigências inflexíveis. Ele a a manipular e dominar o outro para moldar a vida segundo sua própria vontade. A opressão vai muito além de uma explosão de ira ou de um conflito pontual do casal: ela é, em sua essência, um mecanismo de controle coercitivo. Não é uma simples reação emocional. É uma estratégia que visa manter o domínio e a superioridade. É uma perversão do relacionamento.
A Bíblia Sagrada ensina que os casais foram chamados para o amor sacrificial, e não para o domínio. Em Efésios 5.25, lemos: "Maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela". O modelo de Cristo é o da entrega, não da imposição. A raiz da opressão está na presunção alimentada por um engano sutil: A ideia de que os desejos — ainda que por coisas boas — conferem direitos absolutos. Esses anseios se corrompem e am a ser exigências mascaradas de justiça: 'Eu exijo. Você me deve'. 'Tenho o direito de insistir'. 'O que eu quero é mais importante'. Todos nós já fomos, em algum momento, seduzidos por esse tipo de pensamento — que frequentemente não emerge em grandes crises, mas nas situações mais corriqueiras do cotidiano. No entanto, à luz de 1 Coríntios 13.5, somos confrontados com um princípio essencial do amor: ele "não busca os seus próprios interesses".
O opressor, contudo, exige ser servido, amado e obedecido — mesmo que isso implique o sofrimento alheio, mediante atitudes abusivas, censuras desproporcionais e ameaças veladas. Seu foco não reside nas necessidades do outro, mas na busca pelo próprio conforto. O impacto é devastador: Medo e humilhação se instalam. Pior ainda, ele sequer reconhece o mal infligido, pois acredita estar moralmente justificado. Os opressores apresentam padrões profundamente arraigados de exigência e punição. Suas reações são inflexíveis e implacáveis. Eles se recusam a reconhecer erros e racionalizam seus comportamentos punitivos como sendo "necessários" ou "merecidos". Para eles, seus desejos assumem status de mandamento, e qualquer resistência é interpretada como afronta pessoal. Usam palavras, manipulação, críticas e ameaças para manter o domínio — e isso corrói os vínculos, gera um ambiente familiar destrutivo. Quando a presunção toma conta do relacionamento, instala-se um clima de medo. O cônjuge oprimido a a viver em função de evitar a ira do outro. Cada o, cada palavra é cuidadosamente calculada para não provocar mais punições. Mesmo quando tenta agradar, seu esforço não é recompensado com amor — apenas reforça a dominação do opressor. O que deveria ser um lar de paz, amor e reciprocidade se transforma num campo de batalha silencioso.
Deus chama os membros de uma família a um caminho diferente: "Nada façam por ambição egoísta ou vaidade, mas humildemente considere o outro superior a si mesmo" (Filipenses 2.3). O verdadeiro amor não impõe, não coage — serve com compaixão. Jesus nos convida à liberdade. Em Gálatas 5.1 está escrito: "Foi para a liberdade que Cristo nos libertou. Portanto, permaneçam firmes e não se deixem submeter novamente a um jugo de escravidão". O casamento não foi estabelecido para aprisionar, mas para espelhar a união graciosa entre Cristo e Sua Igreja. Toda forma de relacionamento que deturpa esse propósito deve ser confrontada com a verdade, permeada de amor, e, sobretudo, com o poder transformador do Evangelho — capaz de alcançar até os corações mais endurecidos.
IGREJA BATISTA DO ESTORIL
63 anos atuando Soli Deo Gloria