
Nos últimos anos, todas as notícias que leio sobre a Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba) me chateiam, de modo que vejo ruir com elas um ado do qual tenho muito orgulho e saudade.
Mas nada me entristeceu mais quando soube que o prédio da Empem (Escola de Música de Piracicaba Maestro Ernst Mahle) poderia desaparecer após ser listado em um plano de recuperação judicial da rede metodista. Isso significa que ele poderia ser vendido para pagar dívidas a qualquer momento, ruindo mais uma parte da história da cidade.
Não à toa, a possibilidade de venda causou comoção na cidade, principalmente entre ex-alunos, músicos e apoiadores, que chegaram a realizar um concerto em protesto e um abaixo-assinado.
A última notícia que soube sobre esse assunto, em setembro de 2023, foi que o Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural do Município de Piracicaba(Codepac) aprovou o pedido de registro da Empem como patrimônio imaterial da cidade, o que ainda não quer dizer muita coisa.
Mas nesta terça-feira, a Empem foi tomada por uma sombra ainda mais triste com a notícia de que seu pai e fundador, o maestro Ernst Mahle, nos deixou, aos 96 anos.
Mahle, juntamente com sua esposa Apparecida Romero Pinto e do maestro Hans Joachim Koellreutter e a professora M. Dirce Camargo, fundaram em 9 de março de 1953, a Escola Livre de Música Pró-Arte de Piracicaba, uma filial da Pró-Arte de São Paulo.
Além deles, cidadãos piracicabanos se engajaram na ideia de ter uma escola de música em uma cidade tão musical como Piracicaba.
Mahle, como diretor artístico da escola, ou a supervisionar os cursos de teoria e solfejo, harmonia, contraponto, iniciação musical, história da música, entre os primeiros a serem lecionados.
Logo vieram as aulas de flauta, piano, violino, violoncelo, clarineta, declamação, regência, artes plásticas, canto, acordeão, coral e música de câmara. E muito mais!
Piracicaba ou a ter mais alunos do que a sede de São Paulo. Mahle acabou criando a Orquestra Infantil de Piracicaba, onde os alunos de vários instrumentos poderiam colocar na prática os estudos, uma referência para outras escolas Brasil afora.
Em 1998, a então Escola de Música de Piracicaba foi integrada ao Instituto Educacional Piracicabano (IEP) da Igreja Metodista.
Mahle foi a espinha dorsal e o coração da Empem, que leva seu nome. Mas era muito além disso. Ao lado de Cidinha, sua esposa, atuava como um dos mais importantes agitadores culturais do município, realizando uma infinidade de eventos, de concertos a workshops, muitas vezes gratuitos.
Apesar de ter nascido em Stuttgart, era cidadão piracicabano desde 1965, título que tanto o honrava, e que conquistou três anos após ter se naturalizado brasileiro.
Pudera, viveu a maior parte da sua vida na cidade, amando-a, assim como também foi amado e aclamado.
Nos meus anos de jornalismo cultural neste matutino, tive a honra e oportunidade de entrevistar Ernst Mahle por diversas vezes. Mas a época que mais me marcou foi quando o JP, junto com outras entidades, lançou uma campanha para a recriação da Orquestra Sinfônica de Piracicaba.
A centenária OSP, naquela época, estava jogada às traças e foi com a insistência de muitos fazedores de cultura que foi possível reativá-la, tornando-se ativa e representativa para Piracicaba. Mahle foi um dos pilares para esse processo.
O maestro, que foi nosso contemporâneo, agora se torna um clássico, ao lado de grandes compositores alemães como Bach, Beethoven, Mozart e Wagner.
Mas nenhum deles carrega em seu legado um dos ingredientes mais marcantes da obra de Mahle: o tempero brasileiro, que esse compositor alemão-piracicabano fez questão de incorporar com orgulho em suas criações.
Mahle, para você, nosso último: “Bravo!”
Rubinho Vitti é Jornalista.