OPINIÃO

A fada das agulhas


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Veio no ventre de sua guerreira mãe. Seu pai, comandante de navio de guerra, traumatizado pelos horrores da guerra, buscou a paz num país distante. Foi assim que este casal de japoneses emigrou de sua pátria natal para pousar em terras brasileiras. Iludido pela propaganda de compra de uma fazenda, onde tinha “bananas para dar e vender”, desembarcou em Bastos, cidade do interior. No lugar encontrou um verdadeiro “areião”, cheio de cobras e lagartos. Sem recursos, ou a vender pasteis. Ali nasceu a menina, a primeira mulher japonesa da cidade. A doce menina perdeu sua mãe aos 12 anos. Numa noite de silêncio e de escuridão, aos 19 anos, com a morte do pai, abraçou seus três irmãos para a vida. Casou e teve três filhos. O despertar de mãe, nessa alma de mulher humilde, assumiu um forte entusiasmo em sonhar um futuro melhor para as crianças. A mulher é comumente temerosa, mas não fugiu da luta. Escolheu Jundiai como abrigo de seus sonhos. Com suas mãos mágicas, deu vida a roupas e órios, tecendo sonhos e afetos para as famílias jundiaienses. Mas continuava desconhecida. Anunciaram mais uma grandiosa festa do morango. A Prefeitura Municipal não economizou esforços em trazer a famosa modista Madame Boriska, para julgar o concurso de Rainha das Morangueiras. Naquele tempo os vestidos eram volumosos, cheios de babados, realçando a cintura feminina.

Das 15 concorrentes, quatro delas foram vestidas por aquelas mãos mágicas. Mas uma delas a incumbiu que comprasse o tecido apropriado para o concurso. Com liberdade em sua carruagem de imaginação, conduzida por suas mágicas mãos, criou um modelo de seda, com caimento perfeito, com decote clássico, mostrando elegantemente a silhueta do corpo. Foi a sensação da noite. Não tardou, no dia seguinte, o convite da Madame Boriska, para que assumisse, como estilista, em sua Maison em São Paulo. Seu rumo era a vida dos filhos, o lar e seus estudos nesta cidade. Assim com as agulhas e maestria dos fios continuou transformando em sonhos muitas elegantes mulheres da cidade. No dizer do secretário municipal e ex-presidente do Tribunal de Justiça, José Renato Nalini:

“Jundiaí deve se orgulhar, portanto, de possuir um raro exemplar de figurinista com reconhecidas qualidades, praticante convicta e exitosa desse dom de adornar com peças meticulosamente feitas, a maior dadiva que a Providência ofertou a todos os humanos: o sagrado corpo físico, o único e insubstituível, com qual nascemos e haveremos de morrer”. Dias destes completou 94 anos de idade. Na hora dos parabéns, com a presença dos filhos, netos e bisnetos, aproximei-me daquela mulher, com os cabelos brancos, que cultiva ainda o suave semblante, lhe perguntei: o que lhe faltou na vida? Respondeu-me: Nada. A vida de imigrante é muito difícil, mas encontrei em Jundiaí uma cidade acolhedora, onde constitui uma família de jundiaienses. Meu coração pertence a esta adorável Jundiai. Sou agradecida a Deus pela vida que me deu.

Dedico este artigo a Maria Higo do Prado, mãe de minha mulher e avó dos meus filhos e bisnetos.

Guaraci Alvarenga é advogado ([email protected])

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