"Atenção: Esse é um conto de ficção em cinco partes escrito por mim, Felipe Schadt. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência."
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Silva estava reunido com o núcleo duro de sua milícia em sua casa, no bairro do Morumbi, em São Paulo. No mesmo dia 24 de dezembro, quatro anos depois de ter planejado a Marcha Fluminense, ele rabiscava em um caderno desenhos toscos com linhas e círculos que não diziam nada. Depois de muito silêncio, ele resolveu falar.
- Mataremos todos eles. Um por um. Primeiro será o presidente, logo na posse. Um patriota estará infiltrado como um esquerdista e atirará assim que o carro do presidente ar perto dele. Para não nos comprometer, esse patriota se sacrificará na sequência não deixando rastros. A culpa recairá sobre a esquerda que não aguentou ver o partido dos trabalhadores definhar e perder o protagonismo. Esse herói patriota deverá ser devidamente lembrado - apontou para um rapaz que estava à sua esquerda.
- Será uma honra servir a pátria! Salve Silva! - disse o membro designado para a missão, em pé e rígido.
Silva agradeceu e voltou a rabiscar antes de continuar.
- Sinto que a vice é mais maleável a negociações. Ela pode viver por mais tempo, ou pelo menos até minha presidência na câmara se confirmar. Esse outro patriota aqui - apontando para um homem à sua direita, também de pé, também rígido - é o piloto número um da frota de helicópteros do planalto. Articularemos um compromisso no qual a vice precise utilizar a aeronave. Esse patriota se sacrificará pela nação e todos acharão que foi um acidente. Honraremos o seu nome para que todos se lembrem de sua bravura.
- Salve Silva! - gritou o piloto.
Silva desenhou um pouco mais e depois voltou a falar.
- Eu assumo o Brasil na sequência e a primeira medida será pedir estado de sítio, alegando não termos segurança o suficiente por causa das mortes do presidente e da vice. A partir daí, troco o comando da Polícia Federal e da Guarda Nacional transformando as duas em uma única unidade que chamaremos de Polícia Nacional. A Acibem será ampliada e atuará fazendo o serviço que nem o exército tem coragem de fazer. Vocês - olhou para os seus milicianos - reunirão outros patriotas comprometidos para aumentar nossa força de atuação. Iremos precisar disso.
Silva voltou a rabiscar. Um minuto depois, continuou a descrever seu plano.
- Iremos começar a prender todos os esquerdistas declarados sob suspeita de crime contra a nação. Aqueles que resistirem, devem ser eliminados. Mas nós começaremos a limpeza pelas favelas. Fatalmente entraremos em confronto com as facções criminosas. Isso será bom, pois a opinião pública nos dará respaldo, afinal será uma guerra declarada contra o crime organizado. Infelizmente nem todo mundo verá isso com bons olhos. Estou falando da imprensa. Logo que eu decretar estado de sítio, iremos deflagrar a operação "Parem as Máquinas". A Acibem irá entrar em cada redação de jornal, revista, TV e rádio deste
país e dará o recado com a maior clareza do mundo: "ou está com a nação ou está contra a nação". Quem aceitar a parceria, receberá uma grande quantia em dinheiro, isso fará com que jornais menores não pensem em recusar. Quem resistir, deverá ser eliminado. Com o controle da imprensa, estaremos livres para iniciar a operação "Ponta da praia". Os adultos esquerdistas devem ser submetidos a trabalhos forçados e as suas crianças levadas para escolas militares. Quem resistir deverá ser eliminado.
Silva mostrou que o papel que rabiscava era um esboço de várias bandeiras. A única que não estava rabiscada era de uma bandeira de fundo verde com uma cruz amarela no meio. Cruzando ela estava uma faixa azul com os dizeres em branco: Deus acima de tudo. Brasileiros acima de todos.
FIM
Conhecimento é conquista.
Felipe Schadt é jornalista, professor e cientista da comunicação ([email protected])