Há poucos dias impactei-me com o acontecido com dois irmãos. Um de quatro e outro de oito.
Residem em uma cidade próxima em situação precária, embora a casa seja de alvenaria. O terreno herdado, antes um pequeno sítio, dividiu-se e um dos pedaços se tornou viela. Foram construindo sem projeto. Informados em edificações não faltam. Algumas negociadas, outras para habitação.
Somaram-se as crianças e o mundo. O mundo arrasta aqueles que se sentem valentes. No caso, arrastou um para o bar e outro para as drogas. O prazer do álcool em grande quantidade, somado aos amigos, fez com que chegasse mais tarde em casa, sob os protestos da companheira. Nessa hora, faz-se de vítima, ameaça se suicidar e chegou a tomar inseticida. Medidas protetivas, no momento de raiva dela, eram derrubadas pela paixão por ele desde a adolescência. Inacreditável! E foram tantos fatos e misturas de desapontamento que o caos se instalou no corredor irregular.
São tantas as histórias. Por lá ou o moço que devia e pagou com um tiro na cabeça. O outro que se escondia da polícia e que o buscavam com arma em punho. Chegavam a pular o muro na esperança de vê-lo. As mocinhas das baladas, que sabiam de cor a letra do último funk e meses depois, traziam “vitoriosas” o seu bebê no colo. O difícil era arcar com as despesas das fraldas, das roupinhas que ficavam pequenas e do leite. Crianças avam com a camiseta da escola por poucos anos. Quando aumentavam as dificuldades, diminuía a frequência nos estabelecimentos de ensino. Os gatos não davam conta dos ratos.
Do prazer do álcool e de drogas ilícitas para a violência com os filhos e a esposa. Quem se aproximava para dar conselhos, também se tornava vítima de suas desfeitas e ameaças. Se houvesse um cômodo de acordo, defenderia o cárcere privado para a família. Chegaria aos tropeços, cheirando mal e exalando álcool, sob o silêncio. Segundo ele, sabia de suas possibilidades. Ajudante de construção, optava por receber diariamente. No retorno para casa, sobravam apenas algumas moedas.
Veio nesse ritmo até que as autoridades competentes chegaram na habitação e levaram os dois pequenos. O choro dolorido do menor ultraou a viela, invadiu a rua e se fez lágrima para muitos.
O pequenino queria de volta o colo da mãe. O maior estranhou, mas não fez grandes manifestações.
Estranhei que, em lugar de tirarem o moço, tivessem levado os pequenos. Pensei na dor da falta do aconchego materno e na ausência de conhecidos com vínculo de sangue. O moço, eu sei, tentaram que saísse da casa diversas vezes, mas a moça, entre xingos e beijos, o acalentava. Há gente que considera que bater é uma forma de amor. Há gente que confunde amor com posse.
Agora cumprir a intimação e procurar caminhos para ter de volta as crianças ou verificar quem, da família, poderia assumir a guarda provisória.
Depois disso me veio o espanto: o menino maior não deseja voltar para a eles. Diz que no abrigo brinca, não tem medo, come bem, ninguém grita e bate. Ou seja, vínculos afetivos rompidos, caso eles tenham existido.
Ontem, revi um moço que também se orgulhava de poder parar com o álcool quando quisesse. Sobraram-lhe a barba branca, o carrinho com recicláveis, o cachorro e a marquise da loja.
Maria Cristina Castilho de Andrade é professora e cronista ([email protected])