A um ano e quatro meses das eleições de 2026, o governo Lula (PT) tem uma série de propostas que vão se incorporar à possível campanha do presidente para obter um quarto mandato, mas a instabilidade da base de apoio no Congresso retirou do Palácio do Planalto o controle sobre o formato e o tempo de aprovação dessas medidas. 4e5rm
Temas como o aumento da isenção do Imposto de Renda, a alta da arrecadação via elevação do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), a PEC da Segurança Pública, a isenção da conta de luz, a regulação das redes sociais e a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos enfrentam resistência na Câmara dos Deputados e no Senado e devem ar por grandes mudanças — alguns podem até não ser votados.
Um exemplo nesse sentido se deu na última quarta-feira (28), quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara debateu a PEC (proposta de emenda à Constituição) da Segurança Pública, que busca dar ao governo mais protagonismo em um tema em que a direita predomina.
Foram convidados dois governadores para o debate: o oposicionista e pré-candidato à Presidência Ronaldo Caiado (União Brasil-GO) e o governista Helder Barbalho (MDB-PA).
Enquanto Helder listou sugestões de mudanças no texto elaborado pela equipe do ministro Ricardo Lewandowski (Justiça), Caiado dominou o debate com um leque de críticas à proposta que, segundo ele, deveria ser rejeitada de imediato.
Deputados de oposição e da chamada bancada da bala marcaram forte presença na sessão. O relator da proposta na CCJ, Mendonça Filho (União Brasil-PE), a quem caberá elaborar o parecer, é do mesmo partido do governador e da ala da sigla de oposição a Lula.
A isenção da cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5.000 é outro foco de preocupação do governo.
Promessa da campanha de 2022 e espécie de carro-chefe das medidas com as quais Lula busca melhorar a popularidade, o projeto está em fase inicial de tramitação no Congresso, sob relatoria do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).
"Penso que não teria apoio mínimo do plenário da Câmara, quanto mais do Senado, se houver perspectiva ou a ilação de que os estados e municípios estariam perdendo recursos e receitas", afirmou Lira na quarta-feira, deixando claro que fará mudanças na proposta gestada por Fernando Haddad (Fazenda).
Uma das modificações é defendida formalmente pelo próprio PP, o partido do ex-presidente da Câmara. O projeto estabelece um imposto mínimo de até 10% para altas rendas, uma forma de taxar a distribuição de lucros e dividendos, hoje isenta no Brasil. O PP quer elevar de R$ 50 mil para R$ 150 mil a renda mensal mínima para ser elegível a essa tributação.
Embora seja uma decisão do governo que não precisa ar pelo Congresso, o recente aumento do IOF como forma de remediar as contas federais também caiu mal no Legislativo e pode ser esvaziado por pressão de deputados e senadores.
Haddad e Lula levaram, nesse caso, broncas públicas e ultimatos dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB). O primeiro disse esperar que seja a última vez que o governo tenta "usurpar as funções do Legislativo". O segundo chamou a medida de "gambiarra".
O governo ficou de apresentar uma alternativa em dez dias, sob ameaça de ver a medida derrubada pelo Congresso via decreto legislativo. Se isso ocorrer, a perda de arrecadação seria de R$ 19,1 bilhões só em 2025.
A medida provisória que visa isentar 16 milhões de consumidores de baixa renda do pagamento da conta de luz também é alvo de críticas da cúpula do Congresso. Há preocupações, por parte dos governistas, especialmente por causa dos atritos entre Alcolumbre e o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia).
De acordo com relatos, os chefes do Congresso disseram que esperavam uma conversa prévia com o presidente da República, mas foram recebidos apenas para a cerimônia de .
Na sexta-feira (30), Lula lançou outra medida que deve compor a sua provável campanha no ano que vem: o recém-batizado Agora Tem Especialistas.
O projeto visa reduzir a fila de espera por consultas e procedimentos especializados no SUS (Sistema Único de Saúde) por meio de parcerias com a iniciativa privada. Também terá que ar pelo Congresso.
Outra iniciativa lançada há mais de um ano pelo governo, com pouca repercussão, foi o projeto de lei para regulamentar os motoristas de aplicativos. A proposta enfrentou resistências da própria categoria, o que obrigou Lula a recuar do pedido de urgência.
O texto ou por diversas mudanças nas mãos do relator, o deputado Augusto Coutinho (Republicanos-PE), mas não houve consenso nem sequer para que fosse votado pelas comissões. Agora, o presidente da Câmara determinou a criação de uma comissão especial. O projeto do Executivo será praticamente descartado, e a consultoria técnica da Câmara vai elaborar um novo texto.
O líder do PT na Câmara, deputado Lindbergh Farias (RJ), minimiza as dificuldades e diz que os projetos vão avançar também por interesse do Congresso em apresentar ações para a sociedade, como seria o caso da PEC da Segurança Pública e do aumento da faixa de isenção do IR.
No caso das mudanças no setor elétrico, o petista destaca que o governo terá um trunfo, por se tratar de uma MP, que entra em vigor imediatamente. "O impacto na conta de luz dos mais pobres já estará valendo quando a medida for votada. Vai ser difícil derrubá-la."
Na lista de temas ainda não enviados ao Legislativo, um dos destaques é a regulação das redes sociais, cujo projeto de lei está em fase de conclusão.
"Não é possível que tudo tenha controle, menos as empresas de aplicativos", disse Lula no último dia 24.
O tema ganhou recente projeção após vir a público o fato de a primeira-dama Rosângela Lula da Silva, a Janja, ter citado supostos efeitos nocivos da plataforma TikTok durante jantar com o presidente da China, Xi Jinping.
A regulação, porém, enfrenta forte oposição do bolsonarismo no Congresso e foi barrada mesmo quando foi capitaneada pelo então todo-poderoso Arthur Lira, em 2024.
Lula derrotou Jair Bolsonaro (PL) em 2022, mas viu o Congresso ser dominado por partidos de centro e de direita, o que o obrigou a formar uma inédita aliança já no governo de transição.
Ele distribuiu inicialmente nove ministérios à União Brasil (sigla que tem origem na Arena, o partido da ditadura militar), PSD e MDB. Depois, ampliou o leque para 11 e incluiu na aliança PP e Republicanos.
Esses partidos, porém, têm aplicado sucessivas derrotas ao governo no Congresso, abrigam focos de oposição aberta e flertam também publicamente com o bolsonarismo e com uma candidatura rival a Lula — o preferido por todos eles é o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).