GAZETILHA

Um mundo cada vez mais ridículo

Por Corrêa Neves Jr. | Editor do GCN/Sampi
| Tempo de leitura: 6 min

"O verdadeiro inimigo não é o poder, mas a estupidez"

George Orwell, escritor e jornalista britânico

Muitos escritores, filósofos e cientistas se debruçaram, nos últimos séculos, em incontáveis horas de trabalho, usando o melhor de suas capacidades e conhecimentos para traduzir em palavras suas visões para o futuro da humanidade.

Os ficcionistas, quase sempre, trouxeram uma perspectiva pessimista, marcada pela ideia de uma sociedade altamente tecnológica, mas também absolutamente controlada e estratificada, onde características como criatividade, livre-arbítrio, pensamento não convencional, misericórdia e compaixão acabariam sacrificadas em nome do “bem comum”.

Obras como “1984”, de George Orwell, e “irável Mundo Novo”, de Aldous Huxley, são clássicos que tratam exatamente desse tema com uma perspectiva para lá de sombria.

Ainda que tenham sido amargos, céticos e não tenham economizado na desilusão com a qual arriscaram suas previsões para o que o futuro nos reservaria, nenhum deles acertou num ponto: a acelerada imbecilização da humanidade, consequência de um combo que reúne infantilização e ignorância com uma pitada generosa de falta de vergonha na cara. O que temos vivido transcende qualquer exercício de ficção. Parece piada, mas não é.

Tome-se como bom exemplo a enorme confusão que cerca alguns humanos que aram a se identificar como... animais. Tem gente que não apenas quer ser tratada como animal, mas diz que quer viver, na maioria das vezes, como se fosse um. Homens e mulheres que querem ser vistos como cachorro, gato, cervo, leopardo, cavalo e até... girafa.

O grupo tem nome, categoria própria. São chamados de “therians” e se definem como pessoas que acreditam possuir uma “profunda conexão espiritual, psicológica e metafísica” com determinado animal.

Suprema imbecilidade, há até campeonato de adestramento para humanos que se sentem animais. É patético, no nível máximo. Adestradores e seus “animais” (humanos, teoricamente) desfilando numa pista, fingindo de morto, “empinando” as patas (braços), e por aí vai... Tem até competição de saltos de therians, com humanos lançando-se sobre obstáculos, imaginando-se cavalos e éguas. Tá duvidando de mim? Pesquise o International Puppy and Trainer Contest, realizado anualmente em Chicago, nos Estados Unidos, e tente não rir – ou morrer de vergonha alheia.

Neste mundo marcado por tantas fragilidades, nem seria de se espantar que parte dos psicólogos tenha estendido a “adolescência” até os 24 anos. Sim, é isso mesmo. Adolescente hoje em dia não é mais o garoto ou a menina que experimentam explosões hormonais numa fase tão bonita quanto complicada da vida. Tecnicamente, foi “expandida” até muito depois dos 20 anos.

Também é cada vez mais comum “jovens” de 30 anos em busca do primeiro emprego, sem terem feito nada de relevante na vida até este ponto, ou quarentões que seguem morando na casa dos pais, com as contas pagas por eles, sem rumo nem objetivo, numa etapa em que já deveriam ter carreiras consolidadas e uma história para contar.

Não estão de volta à casa dos pais porque saíram de algum divórcio complicado, nem porque precisam cuidar dos mais velhos, mas simplesmente porque, em plena maturidade, ainda não tiveram a decência de assumir as rédeas da própria existência. Vagueiam, como se a vida fosse uma grande brincadeira, sem demonstrar quaisquer sinais de orgulho próprio nem coragem para coisa alguma.

Por mais bizarro que tudo isso possa ser, nada se compara, para mim, à mais recente manifestação de imbecilidade: a saga dos bebês “reborn”.

Já começa pelo nome, porque o tal “reborn” nada mais é do que uma boneca ou boneco, com a diferença de que são hiper-realistas. Sofisticação à parte, do mesmo jeito que as antigas bonecas de pano, de pau, de plástico, bebês “reborn” não são gerados a partir do encontro de esperma com óvulo, não “nascem” de uma barriga, não crescem, não têm coração, fígado, rins, pulmões, consciência ou alma — qualquer que seja a definição que se queira aplicar a esta última.

Ter adultos brincando de boneca, não como colecionadores, mas do jeito que crianças fazem, já seria preocupante. Mas vê-los levar a diversão à condição de paternidade ou maternidade beira a loucura — se já não for a própria.

Já há, no Brasil, registros de “pais” de bebês reborn brigando na Justiça pela “guarda” do brinquedo, exigindo divisão de tempo da “criança” entre as casas, como se fosse um filho. Há “mãe” levando o boneco para ser atendido no SUS, numa UBS, porque o bebê “teve febre” à noite, e querendo ingressar na Justiça para garantir vaga na creche.

Festas de aniversário para bebês reborn têm sido promovidas. Gente, de carne, osso e cérebro, começa a falar em estender os benefícios da licença-maternidade para “mães” de reborn, como se tivessem em casa uma criança que demanda atenção. Há quem teorize sobre a extensão de outros benefícios, como licença médica, para famílias que tenham um “reborn” entre os seus. Dá para acreditar?

Se duvida, basta olhar o perfil do prefeito tiktoker de Sorocaba, Rodrigo Manga que, na falta do que fazer — e aparentemente sem grande disposição para enfrentar como homem as pesadas denúncias de corrupção que pesam contra si — resolveu promover, num parque da cidade, um dia de atividades para famílias com bebês reborn, com direito a “certidão de nascimento” e “carteirinha de vacinação”. Não, você não leu errado nem isso é uma piada.

Num mundo marcado por tanta violência, injustiças, guerras, conflitos diversos, intolerância religiosa, doenças e problemas reais, olhar para estas questões convertidas em “dramas” por uma parcela de humanos incapazes de ter dimensão da complexidade — e também da beleza — da nossa existência, é de causar desespero.

Não sou psicólogo, nem tenho pretensão de ser, mas tenho a mais absoluta convicção de que a solução para tudo isso é bem prática.

Os “pais” de bebês reborn deveriam ser obrigados a fazer trabalho social numa creche, já que tanto querem cuidar de bebês. Os “therians” poderiam ter destino semelhante e ser levados a cuidar de animais de rua ou prestar assistência em abrigos, onde há seres vivos que precisam de ajuda real.

No caso dos adolescentes tardios ou quarentões encostados, a solução é ainda mais simples: uma enxada e um alqueire de pasto para carpir, numa frente de trabalho de alguma prefeitura, produziriam milagres.

Se você discorda de mim, faz parte. Mas, neste caso, sugiro que procure um psicólogo ou psiquiatra. Normatizar tudo isso não é avanço. É, simplesmente, renunciar à nossa condição de animais racionais e acelerar nossa própria autodestruição enquanto espécie. Tudo isso acima pode ser muita coisa. Mas normal, não é.

Corrêa Neves Jr é jornalista, diretor do portal GCN, da rádio Difusora de Franca e CEO da rede Sampi de Portais de Notícias. Este artigo é publicado simultaneamente em toda a rede Sampi, nos portais de Araçatuba (Folha da Região), Bauru (JCNet), Campinas (Sampi Campinas), Franca (GCN), Jundiaí (JJ), Piracicaba (JP) e Vale do Paraíba (OVALE).

Comentários

17 Comentários

  • Adriana 1 dia atras
    Parabéns pelo ótimo texto! Assino embaixo suas palavras! O mundo saiu do controle, seres humanos não tem limites! Atualmente a sociedade cobra infindáveis direitos e não cumpre ao menos um dever. Horrível isso!
  • Carmen 2 dias atrás
    Eu concordo em gênero, número e grau! Com absolutamente tudo o que o autor escreveu no artigo. Sou grata por ainda ter gente sã no mundo! Parabéns ao autor.
  • Maurício 2 dias atrás
    Muito pertinente seu artigo Sr.Correa Neves. Haja visto que a maioria dos eleitores do nosso pais são \"therians\", vide o presidente que nos governa.
  • Darsio 3 dias atrás
    E, por falar em idiotas, o que podemos pensar dos otários que fizeram PIX para o mito, para que então ele pudesse pagar as multas sanitárias sofridas em São Paulo, mas que foram anuladas pelo Tarcisão? Ele arrecadou 17 milhões de reais dos otários, não precisou pagar a dívida e, não devolveu um centavo da fortuna dada pelos trouxas. Agora, estão induzindo os trouxas a pagarem mais PIX para então sustentar o Eduardo Bolsonaro nos Estados Unidos, mesmo ele morando numa mansão e movimentando 800 mil reais em uma única semana. E, olha que muitos desses trouxas se quer conseguem pagar suas contas em dia. Aliás, até a Zambeli está recorrendo ao PIX para se safar da prisão. E, aí trouxa! Vai fazer um PIX para a espanhola?
  • RODRIGO CABELLO DA SILVA 3 dias atrás
    Gente, são muito bizarras as fotos e vídeos de homens e mulheres carregando pra lá e pra cá bonecos de silicone como se fossem filhos de verdade e o pior é saber que os tais \"pais de bebês reborn\" adentrem unidades de saúde querendo atendimento alegando que os \"bebês\" estão com febre. Absurdo.
  • Sinara Caleiro 3 dias atrás
    Pertinente seu artigo Junior. Penso em como as \' pessoas\' buscam preencher cazios com futilidades mórbidas e conseguem se agrupar numa neurose coletiva.REBORN para mim não é uma boneca realista é uma réplica de um recém nascido nati morto .As pessoas perderam a noção de real !!! Da Vida ..que nos oferece surpresas inimagináveis a cada momento, alegrias que beiram a felicidade, o lúdico que na infância nos levam ao imaginário, temos a capacidades de transformar espigas de milho em bonecas e com elas brincarmos com amiguinhos. A riqueza exeuberança continua na natureza !!! Os sonhos e esfor?o por alcança los , nossa evolução dia a dia convivendo com o mundo suas novidades e a aberrações das guerra ...o sentir afeto raiva pena condolências. Temos sensibilidades resposta imediatas de empatia e até mesmo antipatias .O Viver é dinâmico , mesmo nos momento infinitos de dor ao perder o ser mais amado o filhos gerados por nós !!!! Mas que vimos crescer e se tornarem adultos que nos orgulham.Outro que trazem vivos um trabalho exaustivos e tristezas .A Vida é dinâmica rica para tranforma- lá em \' Amor\' a um objeto inanimado mórbido. Neurose coletiva???? Ou total ausência se sentido ..
  • Alex 3 dias atrás
    Para quem acredita que o Lule é inocente, acreditar que um pedaço de plástico é gente é fácil.
  • LENIRA MARIA RIBEIRO 3 dias atrás
    Nunca um texto expressou tão bem o que penso a respeito disso tudo. Parabéns pela sua visão realista e sensata e por esse artigo cheio de verdades.
  • Mad Max 3 dias atrás
    Perfeita exposição!!! Com a lucidez que esperávamos desses idiotas...
  • JANETE 3 dias atrás
    Concordo, daqui a pouco bebê reborn tem mais direitos que bebês de verdade. Pessoas que levam esse tipo de situação para realidade precisam de tratamento psicológico. Porque a vida é tão corrida, estamos na era de grande volume de informação, com certeza as pessoas que levam a sério o bebê reborn estão fugindo da realidade, e claro que tem os aproveitadores de situação. Serviço é que não falta, o problema é encontrar às vezes quem quer trabalhar, e com salários mais dignos...mas isso é um outro assunto.
  • Darsio 3 dias atrás
    Para quem não conhece, sugiro assistirem ao filme Idiocracia, dirigido por Mike Judge. Lançado em 2006, a comédia é uma crítica social que faz referência a um futuro tenebroso, um mundo de profundos idiotas, do tipo apontado por Correa Neves nesse artigo. E, nesses exemplos de idiotas imbecilizados apontados por Neves, incluo ainda aqueles que rezam para um pneu ou ainda que buscam contatar marcianos por meio dos celulares sobre as suas cabeças ou ainda os idiotas que acreditam em mensagens de WhatsApp, sem conferir a veracidade do que leem, por meios de fontes seguras, academicamente confiáveis. E, o que falar daqueles que possuem uma motinha ou carriola e se consideram grandes empreendedores, negando a condição de desempregados, ao o que possuem profunda aversão a CLT e que rejeitam a própria existência, regada a muitas dificuldades financeiras.
  • Democracia sempre 4 dias atrás
    Que texto divertidíssimo, apesar de retratar o quadro de insanidade a que chegamos. Dei boas risadas. Inclusive com algumas das soluções. Adorei! Parabéns!!!!
  • A 4 dias atrás
    Idiotas doutrinados
  • José 4 dias atrás
    Concordo em partes. Em relação a essa iração e submissão a esses reborns é a coisa mais patética que eu vi em toda a minha vida... Em relação a pessoas que não tomam às rédeas da vida isso é relativo. Realmente há pessoas que não querem nada com nada. Outras já tentaram tanto que desistiram e estão em depressão. Hoje há menos empregos que dão uma qualidade de vida para as pessoas. Antigamente uma agência bancária na avenida Paulista possuía 200-300 funcionários. Hoje se existir alguma agência ela possui apenas 20 funcionários e olhe lá. Sendo que dos dos 10 pelo menos uns 4 ou 6 são terceirizados. E há locais que nem agências possuem mais. Há muitas pessoas graduadas fazendo Uber,99, Ifood e etc. Plataformas sem direitos trabalhistas algum com jornadas exaustivas e remuneração baixa sem qualquer proteção social. Há pessoas com doutorado desempregado. Em um país cuja a maioria da população acredita em notícias falsas não há boas perspectivas para o que vem pela frente. A própria indústria calçadista antes empregava centenas de milhares de pessoas. Hoje não emprega nem 15 mil. Sendo que nossa população é de pouco mais de 350 mil pessoas. Isso reflete no mundo todo. O neoliberalismo prometeu que quem estudasse seria alguém. Muitos seguiram essa receita e hoje ou são ubers, moram com os pais e estão desempregados. E moram com os pais aqueles, principalmente, cujos pais tiveram uma boa aposentadoria e da o mínimo de dignidade para a família. E os bancos querem acabar com o mínimo de proteção social. A situação só vai piorar tanto como bizarrices como reborns como pessoas que outrora tinha qualidade de vida e agora irão cair na depressão, álcool, drogas, Bets para encontrar uma solução mágica que não existe.
  • FalouTudo 4 dias atrás
    Concrdo com o texto! O mundo ta bagunçado. Muito é falta do que fazer, Loucura, Desculpa pra se esquivar de responsabilidade. Não sei ao certo se precisam de tratamento, ou de apanhar. Pessoas sem vergonha !
  • Armando g 4 dias atrás
    Fantástico, parabéns pela colocação das palavras.
  • Paulo Augusto Franke 4 dias atrás
    Corrêa Neves Jr pegou leve demais com a fase atual da espécie Homo sapiens sapiens. Nunca estivemos tão non sapiens porra nenhuma. Inacreditável.