
Quando qualquer tipo de agente físico, químico ou biológico atua nos tecidos, ele só a a ser uma agressão, quando desorganiza as proteínas, deixando as livres no local. O organismo tem predominantemente água e proteínas, mas estão organizadas e ligadas a outros componentes como carboidratos e lipídeos. Elas não ficam livres ou soltas e, quando assim estão, o organismo já capta isto como uma agressão e se inicia o mecanismo de defesa chamado inflamação.
Temos células, chamadas de mastócitos, que liberam histamina toda vez que encontram proteínas livres, deixando os vasos sanguíneos mais permeáveis para ar parte do plasma para os tecidos da região, edemaciando-a e gerando sinais e sintomas ditos inflamatórios como dor, inchaço, prurido, etc.
Mas, a inflamação iniciada pega mesmo, quando uma destes componentes plasmáticos chamado Fator de Hageman ou Fator XII começa a sair imediata e intensamente. Cada uma de suas moléculas que estão presentes, se ativam toda vez que encontrar superfícies eletricamente negativas, podemos dizer superfícies ásperas. Isto desencadeiam muitos mediadores que irão sustentar toda a inflamação como mecanismo de defesa. Ele também é chamado de Fator da Aspereza.
NA COAGULAÇÃO
Confirmando: toda vez que o Fator de Hageman encontra superfícies eletrodensas negativas ou ásperas, ele se ativa e ativa meio mundo de mediadores da inflamação, mas também da coagulação sanguínea. John Hageman é o nome do paciente onde se descobriu a existência deste mediador pelos médicos Oscar Ratnoff e Jane Colopy. Na hematologia, é comum dar-se o nome do paciente às descobertas.
O Fator de Hageman fica no sangue, dentro dos vasos de forma inativa, porque a superfície interna é superlisa. Se ficar áspero em algum ponto interno do vaso, ele se ativa e começa a coagulação sanguínea e pode formar trombo e gerar infarto. Por isto que não é um bom negócio acumular gorduras abaixo do revestimento dos vasos, pois podem gerar superfícies ásperas com o tempo.
Quando um vaso sanguíneo se rompe ou é cortado, o sangue sai e encontra superfícies ásperas e assim começa a coagulação sanguínea nos acidentes e nas cirurgias. Às vezes, demora formar coágulo eficiente, pois o fluxo sanguíneo pode ser intenso e a movimentação da área também. Precisamos ajudar comprimindo a área em manobras chamadas de hemostasia que podem ser feitas com gaze ou algodão.
GAZE OU ALGODÃO?
Se você fizer hemostasia com algodão, pode dar certo, mas ele é hidrófobo, ou seja, ele não absorve intensamente água ou produtos aquosos como o sangue. Acaba se formando películas lisa de sangue, plasma, saliva e outros produtos sobre a superfície do algodão, e isto não ajuda ativar a maior parte das moléculas de Fator de Hageman.
Se a gaze for aplicada no lugar do algodão, ela é hidrófila, absorve intensa e rapidamente água, sangue, saliva e outras secreções, ficando sempre com a superfície úmida e áspera, o que facilita ativar todas as moléculas de Fator de Hageman, otimizando a hemostasia que contêm o sangramento.
Os mediadores que o Fator de Hageman inicia e desencadeia na inflamação e na coagulação, são importantes para também começar o reparo, ou seja ele acaba otimizando todo o processo. O ideal seria sempre utilizar a gaze no lugar do algodão durante a hemostasia ou contenção do sangue. Além a manipulação mais fácil, a preferência de seu uso faz toda a diferença nos curativos e outras áreas biomédicas.
REFLEXÃO FINAL
A vida traz reflexões quase que inevitáveis. Estamos descrevendo sobre a gaze ou gaza, um tecido de origem árabe que teve sua feitura inicial na faixa de Gaza, na Palestina, onde existia uma antiga indústria têxtil. Nesse mesmo local, hoje jorra sangue que não se contêm, nem mesmo aplicando toneladas e rolos de gaze! Pode ser ironia, mas pode ser um sinal de que deveríamos estancar esta hemorragia!
Alberto Consolaro – Professor Titular da USP e Colunista de Ciências do JC.